Ora, esta sim, foi uma excelente surpresa. Um livro de viagens escrito por Charles Chaplin, actor de quem não sou sequer grande fã. Mas, ao ler as primeiras páginas deste A minha viagem pela Europa, editado pela Matéria-Prima, logo me deu vontade de seguir “viagem” como ele, para ver onde me levava, já que me obrigara a levantar voo (ou a navegar, para ser mais preciso) quase à força.
Charlie Chaplin, actor e realizador britânico, tinha passado uma época intensa de trabalho em Hollywood (sete anos) e sentiu necessidade de parar e recarregar baterias. Assim, em 1920 decidiu regressar à Europa, pois não se limitou a regressar à sua Inglaterra, tendo também viajado até França (Paris) e Alemanha (Berlim). Mas não é assim tão facilmente que Chaplin se livra da pressão, pois na viagem de barco para o Velho Continente são muitas as solicitações sociais a que tem de aceder. Afinal, aquilo de que fugia em Hollywood também o perseguia em alto mar – é curioso verificar que os “dramas” de uma estrela de Hollywood de há quase cem anos eram já muito parecidos com os da actualidade. É um interessante retrato este o traçado aqui por Chaplin neste seu livro na primeira pessoa, onde parece ser suficientemente honesto quanto ao que sente, mostrando-se dividido entre sentir-se mimado pelas bajulações constantes de que era alvo ou aproveitar uma espécie de recato demonstrado pelas classes mais baixas, que viajavam longe da primeira classe mas as quais gostava de visitar.
Chaplin procura o anonimato (e o sossego), mas quando o consegue chega a sentir-se irritado por ninguém o reconhecer, e assume isso mesmo. Esta duplicidade de comportamentos e sentimentos é mesmo um dos pontos fortes desta obra, que serve assim para mostrar (como se fosse preciso) que as estrelas não passam de seres humanos.
Escrito de uma forma simples e objectiva (e honesta e sensível) A minha viagem pela Europa cumpre também o que é prometido no título: é um livro de viagens. Londres, Paris e Berlim são aqui retratadas, não até à exaustão, mas em algumas das suas peculiaridades, visíveis principalmente através de quem as habita. Londres, naturalmente, é a mais dissecada, pois Chaplin aqui escapule-se à sua entourage e, sozinho, aventura-se pelas ruas mais pobres, onde se reencontra com o seu passado modesto.
Esse passado modesto reflecte-se, de igual modo, no modo como se comporta quando se encontra com grandes vultos da cultura e espectáculo (tal como ele, afinal) e a quem presta uma admiração e veneração como se ele próprio não fosse “ninguém” naquele meio.
Portanto, insisto: A minha viagem pela Europa é uma agradável surpresa que pode muito bem ser lida mesmo por quem não é fã do criador de Charlot – mas, esses, na verdade são (somos) poucos, certo?
https://agentedeviagens.wordpress.com/2010/01/17/agente-de-viagens-193029-5692/